Metadesign, Jogos e Transformação Cultural.
A realidade é um hábito, um jogo, uma dança — é possível transformar a realidade? Se sim, como?
Procedimentos, hábitos, métodos, legislação, programas, jogos e realidade.
Como muita gente sabe, venho desenvolvendo uma abordagem de projeto e ação para lidar com sistemas complexos chamada Metadesign — quer seja no meio urbano, nos processos de design centrado no usuário, processos e ecossistemas de inovação, para fortalecimento de comunidades ou para criar sistemas de governança, o Metadesign oferece um conjunto coeso e acessível de ferramentas de compreensão e ação.
Dou início a uma série de pequenos textos, aqui, para apresentar e discutir aspectos importantes do Metadesign.
O Metadesign foi criado por Andries Van Onck, e desenvolvido, revisto, criticado e ampliado por um grande número de pessoas, incluindo filósofos (Paul Virilio), biólogos (Maturana e Varella), designers (Fischer e Wood), artistas (Giaccardi e Stelarc), arquitetos (Christopher Alexander), urbanistas (Varkki George) e teóricos da complexidade.
Minha contribuição foi organizar essas múltiplas interpretações e criar uma versão coesa do Metadesign, que possa ser uma ferramenta cognitiva genérica, aplicável a qualquer campo do pensamento, das ciências, do projeto e da cultura.
Tudo o que verão abaixo é parte da minha contribuição para o Metadesign. Em alguns pontos, minha visão é convergente e, em outros, divergente em relação à visão das pessoas que menciono acima. De qualquer modo, sou muito grato a todos que contribuíram para o seu desenvolvimento.
Neste texto, apresento a primeira do que chamo as quatro ferramentas do Metadesign: Procedimentos e Processos. E sua manifestação mais pragmática: a noção de que jogos, hábitos e realidade são variações do mesmo tema.
Jogo = Realidade
Um jeito de compreendermos a realidade é como um hábito: a gente faz as coisas de um certo jeito, todo dia — desde escovar os dentes, até aplicar métodos para trabalhar, incluindo um certo jeito de nos relacionar socialmente, e construir valor na cultura que habitamos.
Esse hábito, na verdade, cria a realidade que vivemos porque a gente passa a crer que esse ambiente que criamos com nossos atos cotidianos são o próprio mundo. Esse ato de “criação de mundo” é o ato fundamental de criação do que chamamos de realidade.
Esse “mundo” está lá “fora”, nas coisas e pessoas. Mas também — e principalmente — está “aqui dentro”, nos modelos mentais que usamos para compreender as coisas.
Esses modelos mentais não são “implantados por download” na nossa mente: eles são construídos por nós mesmos a partir do aprendizado de hábitos e rotinas de ação no mundo — quer seja por imitação, quando olhamos nossos pais, familiares e amigos; quer seja por criação autônoma, quando precisamos “nos virar” em qualquer situação nova.
Johann Huizinga propôs que toda a Cultura — o conjunto dos hábitos de todo mundo que faz parte de uma sociedade — é um “jogo”. Ele usou uma palavra nova, no holandês: “ludiek”, o lúdico — algo no meio do caminho entre “brincadeira” e “jogo”.
Huizinga propõe que, para entendermos o mundo social e cultural, nós criamos situações de interação social significativa — o jogo/brincadeira — dentro da qual há regras de interação que permitem que exista uma “coerência interna” naquela atividade. Esse jogo/brincadeira é delimitado por essas regras — algumas explicitas e formais (como limites, obrigações e proibições), outras implícitas e informais (como o “blefe” do poker). Mais sobre isso adiante.
Na visão de Huizinga, o aspecto competitivo do jogo, a disputa, a manipulação dos limites das regras para atingir metas e “ganhar” o jogo são um aspecto menor. O que importa é essa convergência entre o "lúdico" e o que chamamos de "realidade": estamos "brincando de viver" o tempo todo.
Esses jogos sobre os quais Huizinga fala, não são apenas os jogos para “ganhar e perder”, das competições e disputas. Na sua hipótese, o interessante é que o jogo vai além disso. Trata-se de compreender que aquilo que chamamos de “real” é um ritual, e que a competição pode até fazer parte, mas não é o que define o jogo. Outro autor que explora essa noção expandida do jogo é James Carse, no livro “Jogos Finitos e Infinitos” — um ótimo complemento para o “Homo Ludens” de Huizinga.
A potência da ideia do Huizinga é que todas, simplesmente todas, as atividades que a gente faz no dia-a-dia se organizam desse mesmo jeito “lúdico”: estamos participando de brincadeiras/jogos o tempo todo. Nos rituais de convívio em família, nos tribunais, na guerra, no processo criativo das artes, na política (pública e privada), na religião e nas ciências: de dentro, essas atividades nos parecem muito sérias, importantes e “reais” — olhando de fora, pode parecer que estamos perdidos em atividades meio aleatórias, estranhas, até mesmo sem sentido.
Olhando de dentro, "realidade". Olhando de fora, "coisa estranha". Vejamos a seguir.
Projetar Jogos/Realidades
Há anos, criei uma atividade que chamo de “Meta-Jogo”: é um jogo que, ao ser jogado, cria-se outro jogo.
Existem muitos outros meta-jogos criados por outras pessoas — quase sempre como método de “game design” ou de “gameficação”.
Mas, a minha intenção com o meu “meta-jogo” é demonstrar o aspecto mais fundamental do Metadesign: como criar um nova realidade?
Sugiro que, se possível, jogue já o meta-jogo com um colega (ou um grupo maior!), antes de seguir na leitura.
Se não puder jogar já, sem problemas!
Mas não deixe de, quando puder, jogar o meta-jogo: há algumas percepções que ficarão mais intensas depois de experimentar a criação de um jogo.
O Meta-Jogo — regras do jogo:
A equipe mínima para jogar o Meta-Jogo são duas pessoas.
Mas ele pode ser jogado em equipes muito grandes — já joguei o Meta-jogo em grupos com mais de 200 pessoas!
Primeiro momento (1 minuto):
Formar grupos de duas ou três pessoas.
Não importa o número de pessoas que queiram jogar: é muito importante que a equipe ou turma seja dividida em trios ou duplas. Desse jeito, a interação entre vocês será mais rápida e produtiva.
Segundo momento (3 minutos):
Um passeio por nossa memória de jogos e brincadeiras:
Lembrar dos jogos e brincadeiras da época em que éramos crianças e adolescentes: desde pega-pega, até xadrez; passando por bats (taco?), jogos de baralho, futebol, basquete e outros jogos com bola, queimada, polícia e ladrão, stop, futebol de botão e pebolim, ping-pong e tênis, volley, uno, banco imobiliário, war, ludo, gamão, peteca e tiro-ao-alvo, etc.
Tantos jogos/brincadeiras! Nosso repertório é enorme, sim?
Observação: para que a atividade aconteça bem, deixemos de lado (por enquanto) os jogos eletrônicos, videogames, jogos de computador em geral (depois veremos porque, ok?).
Terceiro momento (1 minuto):
Cada pessoa escolhe UM jogo, apenas um jogo. Qualquer um desses jogos/brincadeiras desse nosso enorme repertório.
Quarto momento (5 a 10 minutos):
Cada pessoa, sozinha, deve imaginar como explicaria esse jogo ou brincadeira para outra pessoa que nunca jogou aquele jogo.
É provável que a gente esteja relatando “como se joga” o jogo, narrando uma jogada, ou um exemplo de como o jogo pode ser jogado.
Mas, tente lembrar quais são as regras do jogo: quais são as “leis” que “constituem” o jogo?
Tente listar as regras do jogo começando das mais gerais e depois indo rumo às regras mais específicas e detalhes do jogo.
Por exemplo: no caso do futebol, comece descrevendo as regras mais gerais: o jogo é jogado em um campo gramado, de mais ou menos 60 metros por 100 metros, há marcas brancas sobre o gramado, iniciando áreas e os “gols”; o jogo é jogado por dois times de 11 pessoas, uma delas fica protegendo o gol; a meta do jogo é fazer com que uma bola — que só pode ser tocada com os pés e pernas dos jogadores — entre no gol; o time que fazer essa bola entrar no gol mais vezes ganha o jogo.
À medida que você for listando as regras, você vai rumando a regras cada vez mais específicas: haverá um momento em que você vai listar a regra do “impedimento”. Mas não é muito bom começar por essa regra. Vá do geral para o específico.
Quinto momento (5 a 10 minutos):
Compartilhe com sua dupla — ou trio — o jogo/brincadeira que escolheu e quais são as regras que constituem o jogo.
Se você já conhece o jogo/brincadeira que seu colega está relatando, escute, mesmo assim, com o máximo de atenção: é provável que você aprenda algo novo sobre esse jogo/brincadeira!
Sexto momento (10 a 15 minutos):
Agora chegamos ao momento MAIS importante do Meta-jogo:
A partir dos jogos/brincadeiras que escolheram e compartilharam nas duplas ou trios, INVENTE um novo jogo, compondo as regras e elementos dos jogos/brincadeiras compartilhados.
Você pode fazer qualquer tipo de mistura, transposição, reinvenção e sobreposição que quiser: uma bola (no futebol, por exemplo), pode virar uma peça em um tabuleiro (para misturar com o xadrez, por exemplo); o campo pode se transformar em um tabuleiro, ou vice-versa; peças de um tabuleiro podem se converter em objetos que seriam carregados por jogadores em um campo…
Não há proibições aqui, apenas a meta de criar um jogo/brincadeira que possa ser jogado!
Primeira dica: parta das regras e elementos dos jogos/brincadeiras que foram compartilhados, mas você também pode incluir elementos e regras de outros jogos que NÃO foram compartilhados, ou inventar elementos e regras completamente novos.
Segunda dica: cuidado com o efeito “água e óleo” — esses dois líquidos não se misturam, né? Ou seja, evite inventar um jogo que é apenas os dois (ou três) jogos “colados” um no outro: tente fazer com as regras e elementos dos jogos se “dissolvam”, se “transmutem”, se “misturem” em novos elementos. Tudo tem a ver com “COMBINAÇÃO”, combinar os elementos e regras dos jogos — e menos a ver com “inventar algo do NADA”.
Sétimo momento (2 a 3 minutos):
Cada novo jogo, que foi inventado pelas duplas ou trios, precisa ganhar um NOVO NOME!
Que esse nome tente expressar as características desse NOVO JOGO! E não, como disse acima quanto à mistura dos jogos, que seja os nomes dos jogos escolhidos simplesmente “colados” um no outro. Por exemplo: se uma dupla escolheu e recombinou os jogos Xadrez e Basquete (imagine esse novo jogo!!), é melhor procurar por um nome como “Rei Desesperado” (lol), do que simplesmente chamar o novo jogo de “basquedrez” (basquete+xadrez)…
Oitavo momento (10 a 20 minutos — depende do tamanho total do grupo que está jogando o meta-jogo):
Compartilhar os novos jogos inventados com todos os outros participantes!
Cada dupla ou trio tem 2 a 3 minutos para compartilhar: comece contando para todos quais foram os jogos escolhidos inicialmente; depois, conte o nome desse novo jogo; e por fim, conte quais são as regras e elementos de jogo desse novo jogo/brincadeira.
Observação: caso o número total de participantes seja maior do que 30 pessoas (10 a 15 duplas ou trios), o tempo de compartilhamento pode ficar muito longo. Ou seja, em grupos de 50 a 200 pessoas, sugiro que apenas 4 a 5 novos jogos sejam compartilhados, e que os outros sejam documentados em um vídeo curto, para depois serem compartilhados em uma nuvem da organização, empresa ou escola.
Pelos meus últimos cálculos, eu já conduzi a atividade “Meta-Jogo” em mais de 300 organizações e grupos. Sempre com resultados muito interessantes. No caso de alguns dos jogos, dá muita vontade de jogar! E alguns, de fato, foram jogados por seus inventores e convidados…
Mas, a grande mensagem do Meta-jogo está na transformação que ocorre na mente dos participantes — e as múltiplas aplicações do meta-jogo para a transformação cultural e organizacional… Vejamos:
Os Papéis do Jogo e do Meta-Jogo
Para entender o meta-jogo, precisamos entender quais são os papéis que “estão em jogo”, em qualquer jogo/brincadeira/realidade:
Primeiramente, quem é o participante de um jogo/brincadeira que é absolutamente indispensável? Sem ele ou ela, não haveria jogo algum.
Trata-se do JOGADOR.
É ele ou ela quem experimenta essa realidade: aprendendo, mesmo que rapidamente e superficialmente, as regras do jogo, o jogador pode participar dessa “realidade alternativa”, e sentir o que é estar imerso nessa nova “textura de realidade”.
Numa linguagem mais formal, o jogador é quem tem uma experiência “estética” do jogo/realidade. Ele sente essa realidade sendo parte dela. E, dependendo da qualidade imersiva dessa nova realidade, ele pode esquecer que existe uma “outra realidade” fora desse jogo/realidade em que está imerso.
Mas, em segundo lugar, há um outro papel muito importante para que o jogo/realidade exista: o ÁRBITRO. É ele ou ela que garante que as regras do jogo sejam respeitadas. E, na verdade, é isso que garante que a “ilusão” de estar imerso em uma realidade alternativa seja coerente e não desmorone como um castelo de cartas.
Mesmo que, meta-jogo, o jogo que tenha escolhido não tenha o papel formal e explícito do árbitro, é bom lembrar que, ainda assim, a arbitragem continua acontecendo: o papel do árbitro está distribuído no conjunto dos jogadores — todos os jogadores se observam mutuamente e garantem que as regras sejam respeitadas, sim?
E é por isso que pedi para que, ao jogar o Meta-Jogo, você não escolhesse jogos eletrônicos, videogames e jogos de computador: nesse caso, o árbitro é o próprio computador; e como esse papel não é desempenhado por uma pessoa, a experiência de “arbitrar” desaparece da mente dos participantes — e isso é, veremos algo MUITO IMPORTANTE para as aplicações atuais e futuras do Metadesign.
Na mesma linguagem mais formal em que o jogador tem uma experiência “estética” do jogo/realidade, o árbitro tem uma experiência “ontológica” do jogo: ele ou ela experimenta a qualidade de reconhecer os limites dessa realidade, garantir que esses limites sejam respeitados, e reconhece os “habitantes” dessa realidade, ou seja, os jogadores, os elementos que estão em jogo (bolas, peças, etc.), e os limites daquela realidade (tabuleiro, campo, etc.), as regras e seus desdobramentos para que a realidade seja coerente e consistente, e não se perca em mutações rápidas demais, ou estranhas à “essência do jogo” (mais sobre isso adiante).
No entanto, há um papel MUITO IMPORTANTE para que o jogo exista, quase sempre esquecido porque, na maior parte do tempo, acreditamos que esse papel não pode ser desempenhado por nós, ou por qualquer pessoa “comum”: acreditamos que é um papel especial, provavelmente reservado para pessoas especiais e/ou em posições sociais especiais.
Em terceiro lugar, vemos o quanto é imprescindível que alguém seja o INVENTOR do jogo/realidade; que alguém seja capaz de conceber aquela nova realidade, componha os elementos que devem estar em jogo, avalie a qualidade dessa nova realidade/jogo (sua textura, sua “jogabilidade”, e o jogo é difícil ou fácil, etc.), e assuma a responsabilidade por definir o que deve ou não estar em jogo.
Esse papel é desempenhado sempre a partir de um repertório pré-existente, e não como uma criação “a partir do nada”, como se diz: “ex nihilo”. Os artistas sabem que o processo criativo é, sempre a recombinação de um repertório: a capacidade criativa está na capacidade de recombinar com tanta originalidade, que o que foi criado é percebido como “totalmente novo”. Criar novas relações entre coisas que já existiam, e saber que as “coisas” nada mais são do que “coisas em relação” (mais sobre isso em outro texto, no futuro).
Naquela linguagem mais formal, o inventor tem uma experiência “taxonômica” do jogo/realidade: ele é capaz de desenhar um SISTEMA de entidades, regras e limites que é coerente, coeso, relativamente simples de ser compreendido (tudo depende de estar sensível ao nível de aprendizagem, de desenvolvimento cognitivo dos participantes), e que “pode ser jogado”, ou seja, criar uma nova realidade que pode ser “adentrada” por um novo jogador. (Para algumas pessoas, pode parecer estranha a relação entre uma atividade “criativa” e uma atividade “taxonômica”, “ordenadora”, limitadora. Mas, para quem conhece Nietszche, sabe do que não há nada estranho nisso — mais sobre isso em um texto futuro).
Na maior parte dos jogos/brincadeiras dos quais tomamos parte na nossa infância e adolescência, e boa parte dos outros jogos/realidades nos quais nos imergimos ao longo da vida adulta, esses três papéis (JOGADOR, ÁRBITRO e INVENTOR) dão conta de explicar todas as posições que podemos ocupar — mesmo que a posição do INVENTOR seja tão rara, e achemos que não “é para mim”, que “só pessoas especiais, ou em posições sociais especiais” podem assumir esse papel criador.
No entanto, há um quarto papel que é crucial para compreender a relação de tudo isso e o Metadesign: há uma figura que tanto pode jogar, como arbitrar e (re)inventar o jogo/realidade. Trata-se do FACILITADOR. Esse nome, tão contemporâneo, é, na verdade, ligado a um papel muito antigo e profundo, que é comumente excluído das atividades do mundo atual, e está sendo resgatado exatamente para ativar um próximo nível dos jogos/realidades (mais sobre isso adiante).
O FACILITADOR é aquele que conduz a atividade, observa a qualidade da interação entre as pessoas, se baseia nas “regras” (propostas por ele ou ela mesma, ou propostas por outras pessoas). E, caso perceba que a interação não está correndo com a qualidade que poderia, o facilitador interfere na situação em andamento — até mesmo nas “regras do jogo” — para que a interação aconteça com o máximo de qualidade.
O facilitador pode jogar o jogo: momentaneamente assumindo o papel do JOGADOR em algo grupo, e percebendo como o jogo está se desenrolando. Ele certamente é o ÁRBITRO daquela atividade, observando as regras e garantindo que a coerência e a coesão dessa “realidade alternativa” não se diluam em interações que não são convergentes para fortalecer o caráter IMERSIVO daquela experiência.
Mas, quando essas regras não estão dando conta da qualidade da interação — algo “dá errado”, os tempos não estão sendo suficientes, as metas de cada etapa da atividade não se mostram adequadas, ou qualquer outra característica do jogo/realidade não está “funcionando”, por assim dizer — o facilitador atua como INVENTOR, e altera ou ajusta as regras e os elementos em jogo para que a qualidade da interação seja restabelecida, alguma meta seja atingida, ou seja feito um ajuste de rota para que NOVAS METAS sejam atingidas.
Naquela linguagem mais formal — na qual o JOGADOR tem uma experiência estética, o ÁRBITRO tem uma experiência ontológica, o INVENTOR tem uma experiência taxonômica — o FACILITADOR tem uma experiência “cosmológica” do jogo/realidade: ele experiencia o jogo no “quente”, enquanto ele está “rodando”, “no momento”. Diferentemente do inventor, que experiencia o jogo como que “de fora”, enquanto imagina novas possibilidades para o jogo/realidade, o facilitador inventa novas regras com o jogo em andamento, sem ter que “pausá-lo”, e observa as consequências da sua intervenção logo em seguida. Ou seja, do mesmo modo que o inventor, o facilitador tem uma experiência direta dos “limites do jogo/realidade”, mas essa experiência é “na vida”, a partir de dentro da experiência do jogo/realidade, e por isso mesmo tem consequências diretas para o andamento daquela experiência. Ou seja, o FACILITADOR ordena o “cosmo” onde vive no mesmo momento em que está vivendo a experiência de habitar aquele mesmo “cosmo”. Ele compreende suas possibilidades criativas de intervir no jogo/realidade no “calor do momento” — comprometido com essa mesma experiência.
Explicando melhor: o FACILITADOR desempenha o papel de Metadesigner, é ele ou ela que é capaz de recriar a realidade a partir de “dentro” dessa realidade. Se hoje reconhecemos a importância do papel do facilitador nas organizações, e que educadores, líderes e lideranças, gestores e administradores, cientistas e artistas sejam capazes de desempenhar um papel agregador, provocador, coordenador e criador é porque a sociedade está reconhecendo a necessidade do Metadesign.
Vejamos isso em mais detalhe:
"Desempacotando" o Meta-jogo: jogo e meta-jogo em outros domínios.
Mas, como ficam esses quatro papéis (jogador, árbitro, inventor e facilitador) em outros contextos, em outros "domínios"?
Nas Organizações:
Em organizações — públicas ou privadas, grandes ou pequenas, de interesse social ou focadas em lucro, nacionais ou internacionais — o jogador é o funcionário ou colaborador da organização, quem vive o dia-a-dia da organização em uma posição de quem "não inventa regras", mas sim obedece ao que se espera dele ou dela segundo o "Estatuto" do sistema que habita — a realidade cotidiana da organização.
Já o árbitro também é esse colaborador/funcionário. Já que, como em muitos jogos e também aqui, a arbitragem não precisa estar concentrada em uma pessoa especializada nessa função, e ela está "distribuída" — mesmo que os departamentos de pessoal ou pessoas, e/ou recursos humanos, assumam um papel de arbitragem em situações de conflitos graves que "escalam" para além do que essa "arbitragem distribuída" pode dar conta.
O inventor, no domínio social das organizações, é um papel que tende a se concentrar nas mãos das pessoas que estão nos cargos mais altos — mas, mesmo elas podem achar que "esse não é meu papel", e não sintam que podem propor "novos jogos" que poderiam melhor a qualidade da interação do grupo que lideram. E, há uma atitude autocrática nas organizações em que os superiores (sendo eles os "donos" ou "fundadores", ou meramente os "diretores", CEOs, "superintendentes", "coordenadores", "gerentes", etc.) criam novas regras para que suas vontades sejam respeitadas sem que os esforços dos seus liderados e colaboradores sejam respeitados nesse processo de invenção auto-centrada.
Nesses casos autocráticos, o inventor/líder não está preocupado com a qualidade da interação da equipe ou da organização, e sim em ser obedecido em suas vontades, e cria jogos um tanto absurdos para que isso possa acontecer. E, do ponto de vista do jogador/colaborador, pode se ter a sensação de estar vivendo uma situação "kafkiana"!
Mas, se esse líder reconhece que precisa estar imerso no grupo social que lidera, que é em colaboração com esse grupo social que ele ou ela vai conseguir imaginar novos modos de interação mais interessantes, produtivos, menos desgastantes, mais abertos à aprendizagem e à inovação — então, esse líder já compreende que deve operar como facilitador.
Esse líder-facilitador pode convidar todos os níveis hierárquicos da organização a incluirem o papel da facilitação: que, sempre que possível, sejam organizados "jogos/atividades" que promovam a construção coletiva da inteligência, e que cada funcionário/colaborador se sinta participante de um "jogo/realidade" que pode ser questionado e alterado quando percebermos que há oportunidade de melhoria na interação ou nos resultados.
Na Sociedade Civil e nos Governos Modernos:
No domínio da sociedade civil, o jogador é, claro, o cidadão e a cidadã de um país, estado, município ou outra forma de organização política da sociedade. É o cidadão que vive o dia-a-dia da sociedade, e compreende ela como uma "realidade".
Mas essa realidade se manifesta como um conjunto de práticas, de atividades que acontecem de modo relativamente repetitivo ou recorrente: nossas rotinas diárias como parte de uma sociedade muito maior.
As "regras do jogo" são as leis que regem nossas vidas sob um governo moderno. Mas, há também as "regras implícitas" – aquelas regras que não são ditas, não estão escritas em lugar algum, mas vamos "pegando", compreendendo, à medida que vivemos em sociedade — desde a infância, até a idade adulta.
Mas, há ainda as regras que emergem da vida em comunidade, da cultura cotidiana — mas vou explorar esse contexto da vida comunitária em outro momento. Aqui, pensemos nas "regras" entendidas como as "leis" formais que regem nossa vida em sociedade.
O árbitro, obviamente, é o judiciário: todos os juízes e árbitros que assumem a posição de julgar situações de acordo com a constituição de um país.
É interessante notar que são as leis que "constituem" um país: é o sistema de leis que fazem com que um país exista. Sem a constituição, o país não existiria — pelo menos no contexto do estado-nação moderno. Exatamente como no jogo, são as regras que criam a realidade.
O juiz é aquele que garante que essa meta-estrutura social — o conjunto das leis — seja respeitada e que a "regra do jogo" permita que o ambiente regularizado da vida em sociedade continue funcionando. Que a constituição continue "constituindo" o cotidiano, ou pelo menos a parte formal/institucional dele.
O inventor é, seguindo esse paralelo, o sistema legislativo: o contexto no qual as leis são criadas, desenvolvidas e aprovadas. Nos governos modernos, nos quais existe o sistema tripartite, o legislativo é o ambiente no qual os representantes eleitos pela sociedade se reúnem para decidir quais as leis devem ser criadas, revistas, e/ou removidas.
Quando criticamos as assembléias – nos mais variados âmbitos: da câmara municipal à câmara federal — em geral, nos esquecemos que aquelas pessoas surgiram da mesma sociedade em que vivemos – também nasceram como "cidadãos" e "cidadãs", como "jogadores" desse jogo/sociedade — e os criticamos como se tivessem surgido de lugar algum, ou sido trazidos de outro planeta para ocupar seus cargos públicos. Esquecemos que o legislativo é um ambiente que, em tese, qualquer cidadão pode adentrar e dele participar: podemos ser inventores de novas regras do jogo.
Os inventores são jogadores que decidiram criar novas regras.
Por fim, quem seria o facilitador, em uma sociedade sob um governo nacional moderno?
Neste âmbito, creio que o papel do facilitador não se manifesta de maneira explícita ou regular — prevista em lei. Ele pode surgir em situações e contextos muito variados. Mas é sempre visto como um "elemento adicional", como se fosse um "intruso" em um sistema que não poderia funcionar de modo tão flexível e adaptável.
Há um motivo muito importante para que os facilitadores não sejam parte integral dos governos modernos e da política contemporânea: o facilitador convida a um movimento de transformação que não pode ser claramente codificado por meio de um sistema legislativo formal e de caráter normativo. (Veja adiante: regras explícitas e implícitas.)
O que o Metadesign pode fazer de mais interessante e poderoso para as organizações e formas de governo é convidá-las a habitar um ambiente de transformação contínua.
Neste sentido, fica mais claro compreender que o Metadesigner/Facilitador contribui diretamente para colocar as pessoas e as organizações (públicas e privadas) no que chamo de "Zona de Trânsito": trânsito de ideias, de propostas concretas, de sistemas de governança, de sistemas de normas, leis e regras, de modelos descritivos, etc.
De certo modo, essa "Zona de Trânsito" é um ambiente que gera muito desconforto para quem está habituado a outro ambiente, mais formal, estável e sustentado por regras rígidas e explícitas.
Assim, podemos compreender que o Meta-jogo não é apenas aquela atividade que descrevi acima. O Meta-jogo é também um "jogo" que organiza a criação de novos jogos/realidades na sociedade. Esse meta-jogo também é um "jogo dotado de regras", do mesmo jeito que os jogos que habitamos no cotidiano.
Mas, com uma grande diferença: no meta-jogo, sabemos que estamos jogando um jogo que irá mudar a realidade que habitamos, nos convidando a ver o mundo de outro modo, a interagirmos com mais abertura para a mudança, acolhendo transformações que seriam, sem o apoio do Metadesign, mais difíceis de acontecer.
Jogos, Realidades, Métodos, Hábitos: criar uma nova “realidade moldável”.
Quando falo que jogos podem ser vistos como “realidades alternativas”, e que isso pode ser foco de ação criativa, estou me referindo a um novo modo de compreender “ação criativa”:
O Metadesign nos convida a compreender a atividade de criação como a invenção de processos que se desenvolvem no tempo — e não apenas a criação de “coisas”, “objetos”, "produtos", “entregas”, etc.
Nos convida a pensar mais em termos de “coreografias”, “movimentos” e “transformações”, do que de “objetos materiais”, “entidades” e “produtos”. (Na filosofia, falaríamos de “devires”, no lugar de “seres”.)
No lugar de projetarmos “coisas”, podemos projetar “processos”.
No lugar de acreditar que as coisas estão “paradas”, podemos ver que elas estão em constante movimento e transformação. Aquilo que está “parado” só nos parece estar parado.
Na verdade, nada está “parado”, tudo está em movimento. E, se algo nos parece estar parado, aquilo está morto (uma pedra, por exemplo), ou aquilo é um “processo recorrente” (um redemoinho na água, por exemplo).
O que podemos aprender com o Meta-jogo?: que é possível criar, desenhar processos recorrentes.
Provamos que isso é possível simplesmente jogando o meta-jogo: no final, todos os participantes desenharam um jogo. E também vislumbramos que também é possível continuar em um processo de reinvenção e transformação, criando novos "jogos/realidade", sempre que julgarmos que seria necessário ou oportuno.
Mas, é importante expandir essa percepção.
O que é um “método”?
O que é um jogo, se não um conjunto de regras que fazem uma realidade alternativa existir, ou melhor, acontecer?
Se isso é verdade, podemos compreender que há outras “coisas” (ou “processos”) que podem ser igualmente projetados, como métodos, por exemplo.
Um "método" é um caminho para se chegar em um objetivo: do grego “meta” (objetivo), e “hodos” (caminho).
Um método é uma sequência de ações que gera um tipo de resultado. Algo muito parecido com um jogo. No jogo, os resultados são quase que totalmente imprevisíveis (quem vai “ganhar” o jogo?). Já, no método, a gente quer que os resultados sejam o máximo previsíveis. Mesmo assim, sabemos que se os resultados da aplicação de um método são totalmente previsíveis, ele pode ser rígido demais para ser, de fato, útil.
Quando procuramos total "rigidez" nos métodos e resultados, estamos falando de outro contexto em que podemos ver a aplicação desse conceito: a programação de computadores, ou “programas” em geral (como o programa de um edifício na arquitetura, ou o programa de um evento social ou cultural), são meios para se definir, de modo bem direto e objetivo, o que deve acontecer em um método — sem muita liberdade para "imprevistos" ou "variações".
Mas, mesmo assim, até nos "programas" há muito espaço para imprevistos e para a emergência: usamos programas de computador para lidar com situações novas e imprevistas o tempo todo! (imagine um app como o Uber ou Waze, por exemplo).
Ou seja, se no jogo pode parecer que as coisas são mais flexíveis, e nos métodos e programas elas sejam mais rígidas, na prática há um espaço de variação na previsibilidade dos resultados de todos eles.
Mas, do ponto de vista do jogo/realidade, o que são as políticas públicas? Ou as políticas nas organizações (públicas ou privadas)? No contexto de governos e organizações, são criadas regras e normas que, ao serem reconhecidas, seguidas e atendidas, uma certa realidade cotidiana se estabelece naquela organização.
Mas, quem desenha essas regras e normas?
Do mesmo modo que os jogos são criados a partir de um repertório anterior (os jogos que jogamos antes informam os tipos de jogos que criaremos no futuro, vide o meta-jogo), as práticas organizacionais também são criadas a partir do que vivemos em experiências anteriores.
Os administradores bebem em um vasto repertório histórico para propor o que será o conjunto de práticas codificadas em regras e normas: as práticas administrativas vêm sendo estudadas e codificadas há milênios, e esse repertório está vivo no cotidiano das organizações.
Ou seja, se você é um administrador, mesmo que você não estude cientificamente a história dos métodos administrativos, ainda assim a sua experiência de ter vivido em organizações e ter assumido posições de comando e administração te ensina sobre esse vasto repertório.
Essa experiência não precisa ser consciente ou ser analisada sistematicamente: provavelmente, você diria “eu tenho experiência, sei o que estou fazendo!”. O que quer dizer isso? Que você crê que consegue aplicar seu conhecimento a respeito de práticas que vivenciou e experimentou em situações anteriores em uma nova situação.
Por outro lado, como você sabe que a sua experiência anterior é a melhor maneira de lidar com aquela nova situação?
Muitas vezes, não sabe. E, na verdade, pode estar repetindo um método ultrapassado para lidar com uma nova demanda.
Isso é particularmente verdade nas situações em que se exige mudanças grandes nas práticas cotidianas porque se espera a tão comentada e desejada “inovação”.
E, como se diz por aí, "esperar resultados diferentes utilizando os mesmos métodos pode ser sinal de loucura".
(frase erroneamente atribuída a Albert Einstein… rsrsrs)
Muitos de vocês já devem ter passado por isso: a organização em que trabalham pede para que sejam propostas “coisas inovadoras”, mas continua utilizando as mesmas velhas práticas e métodos de sempre. Vai dar certo?
Seria como entrar num campo de futebol, vestindo tornozeleira, calção, 11 jogadores de cada lado, bola de capotão em jogo. Aí, no final do jogo, os torcedores perguntam em quantos lances foi dado o “cheque-mate”, e alguém responde: mas é futebol, e não xadrez!
Tentar inovar adotando práticas de gestão industrial seria a mesma coisa: as práticas da gestão na indústria procuram estabilizar processos, e não criar processos novos. Em especial, não se deve deixar que esses processos se transformem o tempo todo.
Muitas vezes jogamos o "jogo gestão de fábrica" esperando os resultados do "jogo inovação".
Na verdade, é por esse motivo que a palavra "inovação" é tão usada hoje: em sua origem no período industrial, a palavra inovação passou a ser usada quando percebeu-se que, para mudar processos na indústria, os gestores precisavam criar um novo contexto para que isso pudesse acontecer— para marcar que iríamos "jogar outro jogo". Um jogo diferente do "jogo da gestão de fábrica". Um meta-jogo em que novos jogos seriam criados.
Os métodos de gestão de inovação permitem que novos métodos produtivos sejam desenvolvidos.
E esse é o desafio que vivemos hoje: na era pós-industrial, espera-se que quase todas as empresas funcionem na “economia da informação e da criatividade” — para isso, os processos das empresas e organizações precisam mudar o tempo todo. Mas, na maior parte das empresas, as práticas de gestão continuam sendo aquelas criadas na gestão do chão de fábrica.
Nas minhas atividades como consultor de inovação, sempre repito isso: a transformação organizacional é uma transformação de mentalidade — precisamos ver as coisas de maneira diferente.
E, para isso, precisamos ver a “realidade” de outra maneira. Na verdade, precisamos imaginar uma nova realidade que seja tão “habitável” quanto a realidade que habitávamos até agora. Ou seja, ela precisa ser um jogo “fácil de jogar”. Além disso, precisamos viver essa nova realidade sem abandonar completamente aquela realidade anterior, já que é essa que ainda sustenta a organização.
Como fazer isso?!
Será que podemos jogar o meta-jogo, mas utilizando o nosso repertório organizacional, para criar novas atividades e relações organizacionais?
É exatamente essa a prática do Metadesign: mesmo vivendo em uma realidade consolidada, ser capaz de conceber e ativar uma nova realidade — sobrepor dois mundos em um mesmo momento, viver duas realidades em paralelo.
Se isso parece estranho, é só lembrar que fazemos isso o tempo todo, quando passamos de um ritual cotidiano para outro, ou oscilamos entre eles:
- Saímos de um jantar em família e vamos encontrar com amigos da faculdade; situações com códigos, regras, elementos em jogo completamente diferente.
- Ou quando mudamos de emprego: em uma empresa, as práticas são umas, na próxima, completamente diferentes.
- Ou, então, quando entramos em um jogo de futebol, aceitamos suas regras, seu modo de “ser jogo”, e depois saímos do jogo e encontramos com a família para um almoço, e vivemos as regras explícitas e implícitas dos rituais da vida em família, vivemos o “jogo família”.
É exatamente essa habilidade de transitar entre “realidades diferentes” que nos torna capazes de ir muito além de computadores e dos sistemas formais da ciência, da lógica pura e estrita da matemática:
somos capazes de compreender realidades completamente diferentes entre si, até mesmo contraditórias e paradoxais.
Do mesmo jeito que inventamos um jogo novo no meta-jogo, somos capazes de inventar (e habitar) uma nova realidade organizacional. Tanto na sociedade, como em empresas, organizações, associações, nos governos, nas cooperativas, etc.
Novas Realidades, World Building, Design Fiction e ARGs.
Muita gente fala que, para inovar, não basta “mudar a mentalidade”, mas sim precisamos de uma “mentalidade de mudança”, ou seja, sermos capazes de mudar sucessivas vezes.
Em outras palavras, precisamos migrar de uma realidade para outra com agilidade e relativa tranquilidade. Até mesmo porque, mesmo que a gente não esteja lá muito interessado em inovação, digamos que a “inovação está interessada em nós”: as mudanças de hábito na grande escala da sociedade são tão extremas e radicais, que não temos outra escolha que não compreender como podemos tornar nossa visão de mundo mais flexível, adaptável, aberta a novas realidades.
Para que isso seja possível, é necessário usar outros métodos.
Melhor dizendo, precisamos de outros meta-métodos: métodos que criam novos métodos.
Podemos compreender o Metadesign como uma caixa de ferramentas para criar novas ferramentas, uma coleção de métodos para criar novos métodos. Ou, ainda, pequenas realidades que, ao serem habitadas, nos permitem criar novas realidades.
World Building
Uma das técnicas, bastante conhecida, para criar-se novas realidades vem da literatura, e é atualmente fundamental para todo o setor do entretenimento: a “Construção de Mundos”, do inglês World Building.
Universos inteiros foram criados por escritores e desenvolvidos em séries de livros: da Senhor dos Anéis a Harry Potter, autores e autoras imaginam mundos que são coerentes e coesos, com regras internas que criam o que se chama na literatura e narrativas de “verossimilhança interna”.
Ou seja, mesmo que esses mundos sejam “mundos de faz-de-conta”, ainda assim são realidades coerentes, pelo menos internamente. A "lógica interna" desses mundos fantasiosos funciona… internamente.
Hoje, outros universos inteiros são criados e recriados nos filmes das “franquias” e séries de streaming: de Star Wars ao Universo Marvel, passando por Lucifer e Grey’s Anatomy, e ainda as adaptações dos livros de Tolkien e Rowling.
Nesse momento, pode ser bom lembrar daquela brincadeira da nossa infância em que a gente narrava as brincadeiras, como que contando uma história. E quando transgredíamos uma regra importante, algum amigo ou amiga dizia: “não! Isso não pode! A gente tinha combinado isso ou aquilo!” Mas, dialogando com essa outra criança, era possível negociar o surgimento de um novo conjunto de regras. Na verdade, você deve se lembrar: a parte mais divertida daquelas brincadeiras era inventar e re-inventar as regras dos mundos alternativos que habitávamos nas tardes de sol.
Trata-se de uma habilidade fundamental para imaginar novos mundos: compor regras que se concatenam, criando uma realidade coerente, habitável, acessível para nós e para outras pessoas, para que possamos compartilhar aquela experiência. E, quando sentimos que as regras não mais atendem às nossas vontades, podemos dialogar com os outros “jogadores”, os outros “parceiros de viagem”, para ajustar as regras e criar uma nova realidade mais interessante, mais ativa, mais produtiva, mais divertida!
É essa habilidade que está muito desenvolvida nos escritores e roteiristas: são capazes de, brincando com as regras dos mundos/jogos que inventam, criam realidades que são curiosas, interessantes, exploráveis e, mais importante, infinitamente disponíveis para reinvenções — uma das demandas gerais para o World Building cinemático, hoje, é que ele seja tão coerente que se possa desdobrar novos personagens, novas narrativas derivadas, novas séries, livros, quadrinhos, etc.
Criam-se enormes mundos ficcionais a partir daquela semente organizacional que é definida por um conjunto de aspectos: o grupo de personagens protagonistas e coadjuvantes, um conflito fundador (destruir o anel!, derrubar o império!, encontrar o amor!, etc.), um mundo dotado de ambientes, regras próprias (nesse mundo há “mutantes”, há a “força”, ou a “mágica”, ou ainda “o mundo resumido em um hospital”, etc.).
Design Fiction
Há alguns anos, fala-se de “Design Fiction”. Uma das maneiras de compreender essa “ficção em design” é pela utilização de inspirações colhidas em filmes, livros e narrativas para propor projetos especulativos que exploram conceitos inovadores, mesmo que descolados de qualquer aspecto prático.
Por outro lado, eu prefiro compreender o Design Fiction como a meticulosa criação de um cenário futuro, ou pelo menos alternativo (diferente do que vivemos hoje, na vida cotidiana), em que aspectos coerentes dessa realidade alternativa sustentam nossa exploração do que o mundo “poderia ser”. Neste sentido, precisamos dar bastante atenção para o que sabemos ser viável, segundo a ciência e a tecnologia, assim como observar com cuidado os limites cognitivos que as ciências humanas — como a antropologia, a etnografia, a sociologia, a psicologia social — impõem a cenários que rompem com a realidade que vivemos, hoje: pode ser que algo seja viável tecnologicamente, mas quais seriam as implicações sociais e culturais da sua adoção em larga escala?
Há alguns anos, desenvolvi, em parceria com um grupo grande de profissionais, o conceito do “Pocket Car”, um veículo alternativo extra-compacto, que seria utilizado no “último quilômetro” da mobilidade urbana, ou seja, nos deslocamentos de menor distância, e seria acessado via o chamado “micro-aluguel”, e não pela posse do veículo, dentre outras características radicalmente inovadoras.
O Pocket Car foi um projeto de “Design Fiction”, e não o projeto tradicional de um veículo. Nossa proposta não a fabricação do Pocket Car, em si, e sim explorar quais seriam as consequências da sua adoção em larga escala para as cidades do futuro: novos tipos de vias públicas, parques lineares sobre as vias que ficariam ociosas, uma profunda transformação da “paisagem sonora das cidades” (motores elétricos são silenciosos!), novas dinâmicas de deslocamento na micro-escala da cidade, e assim por diante.
Nossa intenção era explorar cenários futuros, provocar a sociedade a construir outras formas de organizar o “ecossistema de mobilidade” das grandes cidades, acolher novas possibilidades para a mobilidade urbana além das categorias tradicionais aceitas no urbanismo.
O Pocket Car foi parar na Bienal de Design de Curitiba, em 2010, ao lado de outros projetos de mobilidade urbana. E acreditamos que tivemos considerável influência sobre o setor de mobilidade urbana em escala global. Para um exemplo, veja o projeto “I-Road” da Toyota (2013) , ao lado das nossas imagens do Pocket Car (2008).
Para se ter uma ideia de como o World Building e o Design Fiction podem se combinar para a criação de cenários futuros rigorosos e provocadores, sugiro a leitura de um grupo de escritores de "Ficção Especulativa" que imaginaram universos pautados por um entendimento rigoroso de ciência e tecnologia, associada a uma visão sofisticada de política, cultura e sociedade: Vernor Vinge, Karl Schroeder e Neal Stephenson.
Alternate Reality Games — ARGs
No fim da década de 1990, inventou-se uma abordagem para a criação de jogos/realidades alternativas inicialmente proposta para superar limitações de orçamento em campanhas publicitárias e promocionais: o Alternate Reality Game — “jogo de realidade alternativa”. (Um bom resumo dos princípios do design de ARGs está disponível aqui.)
Talvez o exemplo mais famoso tenha sido um dos primeiros: a campanha de lançamento do filme “Bruxa de Blair”. No lugar de uma campanha promocional tradicional — propaganda em TV, spots nos noticiários, material impresso nos cinemas, Tours de entrevistas com os atores e diretores do filme — os produtores do filme construíram uma “realidade alternativa”, com postagens e fóruns online de discussão sobre o “oculto e o paranormal”, em sites de cinema e documentários, e outros pontos de referência online. Talvez poucos se lembrem, mas o conceito do filme era que documentaristas tinham desaparecido na floresta, e suas gravações teriam sido encontradas anos depois, editadas no filme – um "pseudo-documentário". Quando lançado, a procura pelo filme foi muito superior ao esperado pelo estúdio, e tiveram que multiplicar a rede de cinemas em que estava sendo apresentado.
Em 2007, a banda Nine Inch Nails construiu, com apoio de um stúdio de games, um ARG para promover o álbum “Year Zero”, em que uma série de eventos foram organizados com a intenção de criar uma experiência imersiva para fãs da banda, em locais e situações inusitadas — envolvendo pocket shows em armazéns abandonados, pendrives deixados em banheiros públicos dos estádios onde a banda estava se apresentando, nos quais estavam mensagens cifradas indicando “pontos de encontro” de uma sociedade alternativa, dente outras ações (há uma descrição detalhada desse ARG aqui).
No mesmo ano, o SESC São Paulo promoveu uma exposição do escultor Julio Guerra rodando um ARG em que fazia-se crer que a estátua do Borba Gato (ponto de referência, digamos, "controverso" no Bairro de Santo Amaro, em SP) teria desaparecido. (um relato parcial dessa história pode ser visto aqui). O ARG acabou provocando muitos debates a respeito do papel histórico negativo do bandeirante Borba Gato. Além de divulgar ainda mais a fama de "presença horrenda" que a escultura tem, ainda hoje, na paisagem da Cidade de São Paulo.
ARGs como ferramenta de transformação antropológica
Há anos, venho explorando a ideia de utilizar-se a lógica dos ARGs como ferramenta de transformação organizacional. Menos como forma de entretenimento, ou expressão artística, e mais como um convite à organização inventar e habitar uma nova realidade que surge de novas demandas.
Meu primeiro experimento com ARGs foi justamente no lançamento do projeto Pocket Car (2008), em que fizemos um evento parecido com o lançamento de um produto de consumo no qual incluímos debates e discussões sobre urbanismo, seguido de uma série de encontros em que provocações foram feitas a um conjunto de designers e especialistas de diversas áreas.
Isso resultou em uma “mente coletiva” que foi capaz de criticar e visualizar desdobramentos do projeto que seria impossível de outra forma.
Mente Coletiva
Minha proposta é que podemos utilizar ARGs para mudar a qualidade da “mente coletiva”, torná-la mais ágil, mais flexível, mais disponível à mudança e à transformação.
A mente coletiva que é a capacidade de pensar em grupo, que emerge quando muita gente interage de modo rico, acelerado e produtivo.
Podemos imaginar e desenvolver aplicações de ARGs para transformação organizacional (além da transformação digital), para a montagem de laboratórios de inovação, para imersões de aprendizagem, para promover aprendizagem em “organizações que aprendem” (“Learning Organizations”).
Muita gente fala da dificuldade em tornar organizações e colaboradores, e também cidadãos e órgãos públicos, disponíveis para a mudança de mentalidade e para a “mentalidade de mudança”. Creio que isso tem a ver com duas coisas: conseguir imaginar uma nova realidade que seja acessível para todos, que seja “habitável”; e, depois disso, de fato migrar gradualmente para essa nova realidade. A dificuldade é, então de vários níveis, mas um bom caminho é começar a pensar nos métodos e práticas para que isso aconteça — para que consigamos ficar com “um pé em cada barco”, por assim dizer.
Regras Explícitas e Regras Implícitas: sistemas e ecossistemas.
Eu imagino que muita gente, lendo esse texto, está pensando algo como: "mas essa conversa de compreender a realidade como um 'jogo' é algo muito limitante, formalista, com certeza reducionista!"
Até certo ponto, você tem razão: qualquer afirmação absoluta a respeito de como as coisas acontecem no mundo tende a ser errada e/ou reducionista.
É que a coisa é mais complexa do que isso: mesmo que essa abordagem pareça reducionista, é um convite para expandir alguns conceitos fundamentais para compreender sociedade, política, organizações, gestão e cultura.
Vejamos:
Quando falo das "regras do jogo" como aquilo que organiza o que chamamos de "realidade", não estou me referindo apenas às regras do jogo explícitas: aquelas regras do jogo que estão declaradas, codificadas na descrição formal do jogo.
Também me refiro àquelas regras que não estão declaradas, que não foram e não podem ser codificadas. Me refiro àquelas coisas que condicionam nossa ação — no jogo e no mundo — mas não são, propriamente, "regras explícitas".
Um jeito de compreender isso é por meio de uma analogia. Em artes plásticas, assim como na música, na poesia e nas artes em geral, fala-se do par "figura" e "fundo": em uma pintura, ou fotografia, dizemos que há um objeto (uma cadeira, por exemplo) e o ambiente onde está esse objeto — o objeto de interesse na fotografia é a "figura", e o ambiente é o "fundo".
A distinção entre figura e fundo é algo que aceitamos sem pensar muito. Mas é, na verdade, algo muito sofisticado: nós selecionamos, da imagem, o que consideramos objeto/figura, e deixamos o resto da imagem para fazer parte do ambiente/fundo. Essa dicotomia também aparece na música: quando, distinguimos a voz que canta, ou o som de um instrumento que faz um solo, do resto dos instrumentos ou vozes que fazem o "acompanhamento".
Em pintura e desenho, fala-se que o artista, ao desenhar e pintar a “figura” cria o “espaço positivo” — o que é o tema declarado da obra (desenho de uma pessoa, por exemplo). O espaço que “sobra” ao redor da figura, o “fundo”, é o chamado “espaço negativo”, que é também criado pelo artista, mas de modo indireto e muitas vezes de modo não consciente e não intencional: o artista desenha o objeto, o espaço que sobra aparece “sozinho”.
Esse conceito se aplica ao jogo/realidade: as regras declaradas são parte que reconhecemos facilmente e rapidamente das condicionantes que norteiam nossas ações e interações – as regras declaradas seriam a "figura" dessa imagem/jogo.
Mas é muito importante lembrar que há outras muitas condicionantes, que também podem ser vistas como "regras", mas que — do ponto de vista do jogador — só são percebidas e reconhecidas quando se começa a jogar o jogo.
Essas "regras implícitas" seriam o "fundo" dessa imagem/jogo. Já, o inventor de jogos/realidades experiente é capaz de levar em consideração essas "regras implícitas", "ocultas", como algo que emerge necessariamente assim que os jogadores entram no jogo.
Por exemplo: no poker, não há regras explícitas sobre o "blefe". No entanto, a importância do blefe está implícita nas regras explícitas do jogo. Mesmo que não se diga nada, os jogadores de poker percebem que o blefe é possível, e que pode até ser necessário para se ganhar o jogo.
A mesma coisa acontece em todos os jogos/realidades.
No caso das práticas organizacionais e nas formas de governo, as regras e leis dialogam com um ambiente muito mais complexo que já existe antes da organização – regras de convívio social, cultura cotidiana além da organização, ambiente político internacional, por exemplo – e que impõe condições que não podem ser controladas pelo inventor.
Eu vejo essa relação entre regras implícitas e explícitas – entre figura e fundo no jogo – como um aspecto muito importante do Metadesign: o que o metadesigner pode fazer é propor o jogo ("desenhar a figura"), sem esperar ter controle sobre o "resto do mundo" (o "fundo" sob o desenho).
Mas ele também pode imaginar as regras explícitas do jogo para tirar proveito de regras implícitas que estão além do seu alcance: ele pode levar em consideração como o mundo funciona (o ecossistema no qual o jogo está imerso) para que emerjam interações e resultados mais interessantes.
Por exemplo: programar a data e o horário em que acontecerá uma partida de futebol para coincidir com algum feriado importante e, assim, garantir que haverá mais gente na torcida, apoiando o time.
Ou, no caso de uma organização, determinar que todas as equipes de trabalham sejam diversas e inclusivas, considerando que isso poderá ter impacto sobre o mercado de trabalho para minorias, grupos raciais segregados, mulheres e LGBT's.
As regras explícitas são aquilo que podemos propor, controlar, avaliar e alterar. Já as regras implícitas são parte de um ecossistema social e natural muito mais complexo do que podemos conceber, muito menos controlar.
Metadesign = Criação de Novas Realidades
Todas essas abordagens — Meta-jogo, Design Fiction, ARGs, World Building, etc. — têm algo em comum: são projetos de Metadesign.
O que isso significa?
Em primeiro lugar, significa que são projetos que se dedicam a coisas vivas, que estão em movimento. Começando aqui e agora, podemos desenhar jogos/realidades que se desdobrarão em futuros possíveis e desejáveis.
Como projetar transformações na sociedade e na cultura? Como fazer isso de modo legítimo, integrado, organizado — mas também flexível, adaptável e, principalmente, colaborativo e democrático?
Em segundo lugar, devemos ter em mente que Paul Virilio nos alertou para o fato de que o Metadesign pode ser o projeto ilegítimo do cotidiano (no livro A Arte do Motor). E, certamente, acho que está claro como uma iniciativa de ARG possa ser confundida com Fake News! Certamente, podemos observar que algumas campanhas de fake news têm muitos dos contornos de um ARG, o que é MUITO preocupante.
Mas, há uma diferença importante entre cair vítima de uma campanha de fake news, e participar de um ARG de transformação organizacional e social.
Pense nos ARGs promocionais que descrevi acima. Eles estão focados em fazer você comprar algo: o novo álbum do Nine Inch Nails ou ir assistir o filme “Bruxa de Blair”.
Agora pense nos ARGs que convidam as pessoas a "pensar de um outro modo", como o ARG do Pocket Car.
A diferença é que o primeiro tipo de ARG (“primitivo” ou promocional) tem foco a te induzir a fazer algo, sem questionar as coisas.
O segundo tipo de ARG — “avançado”, para ativar a “mente coletiva” — te convida a interagir socialmente de modo crítico e criativo; pede a você que questione o que está vivendo e procure por outro modo de atuar em coletividade — na empresa, na sociedade, nas cidades, na cultura.
O ARG primitivo/promocional te pede a obedecer um comando (“compre o álbum!”).
O ARG avançado/mente coletiva te convida a questionar e construir sua presença na comunidade.
O primeiro te empurra para dentro, comprime você para pensar de modo solitário, repetir uma operação sem questionar (dar “like” e compartilhar algum conteúdo absurdo sem pensar muito).
O segundo te convida a sair do seu lugar de conforto ou acomodação, a interagir na sociedade e na comunidade de modo ativo e criativo, te chama “para fora”, para participar de modo mais consciente e intencional no mundo.
Esses são objetivos contraditórios entre si: o ARG primitivo não funciona muito bem como ARG avançado, e vice-versa — são dinâmicas, situações, resultados e transformações diferentes.
Mas, a mesma preocupação — distinguir entre transformação criativa e manipulação desonesta da mente coletiva — faz sentido em todas as abordagens para “criação de novas realidades”: como saber que não estamos sendo manipulados? Como não cairmos na tentação de manipular os outros?
Como aplicar o Metadesign para a criação de novas realidades para que esse processo seja legítimo, democrático e desejável?
Isso só é possível em sistemas colaborativos, e precisamos desenhar essa colaboração de modo colaborativo.
Se isso te parece estranho, bem vindo ao Metadesign! rsrsrs. Mas saiba que isso é bem mais simples (e divertido!) do que parece. E é o modo mais rápido, fácil e poderoso de criar novas realidades, cenários futuros, novos hábitos e práticas cotidianas.
Metadesign como meta-jogo para a cocriação de processos de facilitação
Segundo minha abordagem do Metadesign, o facilitador é o metadesigner que cria a comunidade de participantes com a colaboração dessa própria comunidade: promovendo uma interação social extremamente complexa que é experienciada pelos participantes como algo simples e acessível.
Essa conjunção de duas qualidades muito diferentes e aparentemente dicotômicas — simplicidade e complexidade — é o que torna o processo de facilitação tão eficaz.
Hoje, há um montão de abordagens para a colaboração nos mais diversos contextos. Desde a Comunicação Não-Violenta, até o Art of Hosting, ainda contando com técnicas amplamente reconhecidas como o Open Space, World Café e Mediação de Conflitos. Há ainda as abordagens de facilitação em educação e aprendizagem, desde a Pedagogia da Cooperação, até o Teatro do Oprimido, passando pelo Psicodrama, Metodologias Ativas e Métodos Ágeis em Aprendizagem. Recentemente, ficou bastante conhecida a abordagem das Liberating Structures.
É uma biblioteca enorme e que não pára de crescer, onde encontramos técnicas, abordagens e métodos para organizar conversas e encontros, para produzir e compartilhar conhecimento, para produzir ideias e conceitos, para desenvolver e realizar projetos, construir novos produtos e serviços, auxiliar ao processo de inovação, solucionar conflitos, aprender de modo aberto e livre, etc., sempre de modo colaborativo. O mundo da inovação depende diretamente dessas práticas para viabilizar a relevância e a qualidade de suas atividades.
Considero que esse conjunto de práticas colaborativas estão fundando um novo modo de se fazer política na micro-escala da sociedade: um novo tipo de micro-política de fato democrática.
Considero que é tarefa do Metadesigner recombinar esse repertório de "jogos/realidades" sempre em colaboração com as equipes, comunidades, grupos de interesse, aprendizes e outros participantes.
Podemos jogar o meta-jogo partindo desse repertório compartilhado de técnicas, práticas e métodos para cocriar, com a própria comunidade, um repertório expandido e adaptado de novos métodos, técnicas, práticas e abordagens que façam sentido para aquela comunidade.
Em outras palavras, a facilitação é fazer Metadesign de novos jogos/realidades em que as pessoas podem colaborar, e então criar outras realidades sociais e produtivas nas organizações e comunidades.
Cocriação de múltiplas realidades, realidades que criam novas realidades. Realidades no cotidiano de uma organização que permitem a criação de uma outra realidade na vida da cidade, da economia, da cultura.
Série sobre Metadesign e suas aplicações
Este é o primeiro texto de uma série sobre Metadesign e suas aplicações.
O próximo será sobre "Meta-aprendizagem": o processo de aprendizagem em ecossistemas abertos, e suas aplicações para o processo de transformação cultural, gestão de inovação e inovação disruptiva, programas de ensino e aprendizagem, escolas e universidades, e "organizações que aprendem" (learning organizations).